quarta-feira, janeiro 10, 2007

Ego trips...

A agradabilíssima manhã em Angra (interrompida pelos testes da sirene da usina nuclear que está aqui do meu ladinho) foi o palco para que eu terminasse o segundo livro da jornada. Foi A Queda, Albert Camus.

Com muito, mas MUITO estilo, e uma elegância incrível, Camus tenta mostrar a LAMA total da existência humana. O nosso egoísmo, acima de tudo nosso egoísmo sem limites, que acompanhado da vaidade, faz de nós um gênero maldito. Algumas pitadinhas:

“Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e melhor amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar a minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era um parceiro apenas razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores.”

“No fundo, nada contava. Guerra, suicídio, amor, miséria, prestava atenção nisso, é claro, quando as circunstâncias me obrigavam. Porém de uma maneira cortês e superficial. (...) Como dizer-lhe? Tudo isso resvalava. Sim, tudo resvalava.”

“Sem dúvida, às vezes, eu fingia levar a vida a sério. Mas, bem depressa, o que havia de frívolo na própria seriedade evidenciava-se em mim e eu continuava apenas a desempenhar meu papel da melhor forma que podia. Representava o eficiente, o inteligente, o virtuoso, o patriota, o indignado, o indulgente, o solidário, o edificante... (...) Eu estava ausente no momento em que ocupava o máximo de espaço.”

Não consigo discordar de Camus. Nunca tive o ser humano em tão alta conta, então o tombo não é tão grande assim. Do alto de nossas torres de marfim é que observamos o mundo. Distantes, alheios, concedendo graças aos outros pelo efeito que isso traz em nós mesmos, é assim que vamos vivendo.

Porém, há um ponto onde enxergo otimismo nesta nuvem negra. Por mais que façamos quase tudo somente em nossa ego trip, ela de uma maneira ou outra, invade a ego trip de muitos que estão ao seu lado. E a impacta de maneira decisiva, redefinindo rumos, emocionando, tocando... Quando Camus senta a bunda e escreve um livro como este, imerso em seus sonhos de grandeza e eu, décadas depois, leio, penso, reflito e reverbero o que li... mudo eventuais atitudes, altero pontos de vista e escrevo sobre isso... Quando você navegando aí lê o que eu escrevi, e reflete, e pensa, e discute no buteco amanhã com seu amigo, que dorme, e pensa e fala no café da manhã com a mãe... Neste momento temos egotrips em movimento, dialogando, e que, apesar de absolutamente fechadas em si, trocam calor com outras corpos e a vida se põe a rodar, a rejuvenescer, a criar, a pirar, a provocar... E isso é tudo menos pessimista. Isso é maravilhoso.

6 comentários:

Anônimo disse...

Lendo esse post me remontaram uns clássicos em mente... Se minha humilde opinião for válida ae vão eles:
Nietzsche - Anticristo
George Orwell (pseudônimo na verdade) - 1984
Kafka - A colônia penal.
Bração meu velho...
Continue lapidando o espírito. =]
To acompanhando sua evolução pelo blog
Malaga

Marco disse...

Malaga,

ckássicos muito válidos... tentei ler Nietzsche uma vez, quando estava em Austin, em inglês! Obviamente não deu, fica pra próxima!

Orwell e Kafka ficarão para muito em breve!

Aquele abraço!

Anônimo disse...

Aproveitando a deixa...
Leia Contraponto do Aldous Huxley o mesmo de admirável mundo novo... Esse tenho certeza de que se encaixa nas suas leituras e escritas atuais... se quiser to com ele aki.
[]ão

Anônimo disse...

Uma das coisas mais lindas, na minha opinião, que o Camus escreveu é o "O Mito de Sísifo". Você já teve oportunidade de lê-lo? Foi um ensaio importante, fundamental mesmo, na minha vida. Em um momento de certa tristeza, ele me fez recuperar a perspectiva da alegria de empurrar morro acima, sem parar, as pedras duras da existência. Isso tudo sem necessitar de invocar a imagem de um Deus ex-machina que tudo explica e a tudo dá sentido. Uma beleza.

Marco disse...

Malaga, pego o livro quando for para Uberaba.

Renato, fiquei com vontade de ler. Mais um para a listinha!

Abraços!

Anônimo disse...

Ao escrever "aqui do meu ladinho" e "uma pitadinha" assim no diminutivo mesmo, não sei se você ponderou a respeito ou saiu natural como uma preposição qualquer, um substantivo comum. Só queria notar que fica autêntico, autoral, apesar de ser exatamente como você fala, mas incomum no jornalismo ou na literatura: deve ter uma regra dizendo que não cai bem, não pode, sei lá. Mas muda tudo, esse "lado" que virou "ladinho", justo o das sirenes de Angra... uma pérola!