quinta-feira, janeiro 11, 2007

Onde é que há gente nesse mundo?

Quero começar o dia aqui com vocês do jeito que ele terminou ontem pra mim. Já na cama, lendo um dos meus poemas favoritos. Dia de poucos escritos, muitas leituras, coroado por um maravilhoso filme e idéias daquelas que valem a pena...

Poema em linha reta

Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que muitas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes da etiqueta,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda,
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de frete,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sentido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não o pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia;

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há nesse largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente nesse mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

4 comentários:

Anônimo disse...

Àlvaro Campos... Foi com vocÊ e com ele que aprendi muito e colquei muito o pé no chão.
Amo.
Lu

Anônimo disse...

É um dos meus poemas favoritos também. Reli recentemente a obra completa do Alberto Caeiro, um heterônimo do Fernando Pessoa do qual gosto muito também. Mais uma vez, mais de uma vez, fiquei em estado de graça tentando aprender a só olhar...

Marco disse...

Renato,

estou aqui com o Guardador de Rebanhos. Vou ler e depois posto meus comentários. Mas já adianto que muito difícil essa posição de só olhar... acho que não chego lá um dia não! :)

Anônimo disse...

esse rapazzzzz e um dos meus herois,li e tento por em pratica ha uns trintanos