sábado, janeiro 20, 2007

Tão perto e tão longe

E eram duas garotas. Gabriela e Angélica... não se chega mais perto de Deus do que isso. Gabriela e Angélica cresceram no campo, cultivadas como a mais rara das flores. Gabriela e Angélica estudaram, disputaram o mesmo amor, traíram-se. Gabriela e Angélica se separaram. Cada uma levou sua vida, esquecendo da irmã. Nunca mais se falaram. Aos 50, Gabriela iria morrer por um problema no rim, precisava de um transplante. Aos 50, Angélica morreu, e seu marido, seguindo seu desejo, doou seus órgãos. Por estes desígnios da vida, o rim foi parar em Gabriela. Salvou sua vida, um encaixe perfeito, diziam os médicos. Não se chega mais perto de Deus do que isso.

Diziam os médicos que Juliana não podia ter filhos. Ela insistiu com Julio, seu marido. Um dia Alexandre nasceu. Saudável, perfeito, apenas não enxergava. Pra quem não podia ter filhos, não se chega mais perto de Deus do que isso. Alexandre cresceu, feliz. Fez amigos, teve amores, frustrações, conquistas e pequenos momentos de felicidade, como qualquer um. Dizem até que amou, uma ou outra vez. Julio, quando mais velho, aprendeu a tocar violão. Sonho antigo, sabem como é. Um dia escreveu uma música sobre o pôr-do-sol. O pôr-do-sol era como os últimos momentos com uma amada. O pôr-do-sol era o último fio de esperança. O pôr-do-sol era cor-de-rosa. Alexandre chorou ao entender o que era cor-de-rosa. Não se chega mais perto de Deus do que isso.

Cor de rosa, azul, amarelo, verde... Pintar era a vida de Henrique. Pintar paredes. Se casou com Sônia, que era ainda mais pobre do que ele. Um dia Henrique juntou dinheiro e levou Sônia de olhos fechados para uma casa, tão bonita como ela sempre sonhara, mas nunca tivera. Não se chega mais perto de Deus do que isso. Henrique foi criado num orfanato, não tinha nem tia ou irmão que o visitasse. Se alguém lhe perguntasse o nome de um amigo, ele enrubesceria de vergonha enquanto girava o pescoço. Tampouco tivera namorada antes de Sônia. Sônia teve 12 irmãos. Em seu barraco faltou arroz e feijão. Carne então, nem se fale. Mas carinho nunca faltou, isso nunca. Muito menos solidariedade. E assim, graduada – com louvor - em vida em família, tudo sobre um lar a Henrique ensinou. Não se chega mais perto de Deus do que isso.

Ensinou durante toda sua vida, essa tinha sido sua sina. Professor desde os 16, pela salas de Geraldo passaram princesas e presidentes, ministros e burgueses. E também gente abandonada, garotos de rua, o filho da criada. Não se chega mais perto de Deus do que isso. Aos 70, sofreu um acidente. Perdeu a memória, perdeu o dinheiro, perdeu a cabeça. Foi parar num hospício. Não lembrava seu nome, mas sabia seus direitos. Foi abusado e mal-tratado. Assim como os colegas. Rebelou-se. Protestou. Rebelaram-se. Protestaram. Apareceu até a mídia. Não se faz milagre, mas as fotos publicadas mudaram aquele mundo. E viraram até um livro. Não se chega mais perto de Deus do que isso.

Um livro, foi assim que começou. Eu o abri e lá dentro encontrei histórias encantadoras, que encheram minha vida de vida. Não se chega mais perto de Deus do que isso. No outro dia, abri outro livro. Lá estavam mais histórias encantadoras. Lá encontrei ainda mais vida para minha vida. Não se chega mais perto de Deus do que isso. No dia seguinte, descobri que em uma folha em branco poderia escrever quantas histórias encantadoras eu quisesse. E, se eu tivesse sorte, poderia encher a vida de outras pessoas de vida. E eu não chegaria mais perto de Deus do que isso.

12 comentários:

s disse...

Muito, muito bom...

Anônimo disse...

Voce já tem enchido minha vida de muita vida e me deixado mais perto de Deus

Anônimo disse...

marcoleta,eccrevo atravez de vc.bjo

Anônimo disse...

Marquinho do céu! Foi você quem escreveu? Caramba... já ia perguntar quem é esse cara, que é a minha cara!!! Essa eu vou dar copy paste em algum lugar pra não perder.
Muito sensível, muito brasileiro, muito cheio de realidade e também de esperança. Do jeito que eu gosto. Pra gente não desanimar dessa vida e desse mundo que é tão lindo...

Beijo da Mônica

Anônimo disse...

Maquinh...
To passando mal!!! Lindo, lindo lindo!!!
Faz a gente só acreditar e agradecer! Beijosss Camilla

Anônimo disse...

Estava lendo seu último post quando senti a presença de alguém atrás de mim. Percebi que ele também lia, apoiando levemente seus cotovelos sobre meus ombros. Percebi ainda que ele sorria, pois o ar ficou mais azul. Acho que era Deus...

s disse...

Tratando de deus de maneira tão terrena, valorizando essa e não a próxima vida, o acaso e não o destino, você deixou até um ateu contente. :)

Anônimo disse...

Muito bom Marquinho!
Se chegou perto de Deus ou não eu não sei, mas me tocou fundo na alma...
To adorando as suas aventuras pela folha em branco!

Anônimo disse...

Sensacional!
E pensar que já estivemos perto de Deus por tantas vezes...
Bjo

Anônimo disse...

idem no que o gian falou. Cheguei a acreditar em Deus.

Marco disse...

Impagável a sensação de ler os comentários de cada um de vocês! Um prazer imenso...

Anônimo disse...

Desculpe pelo comentario tardio, janeirão de ferias me deixou fora do mundo!

Simplesmente genial. Notei que você deu uma parada por aqui, não faça isso ! Ache 5 minutos e continue.

Na expectativa de algo mais politicamente incorreto...

Fredinho